Justiça, Amor e o Drama da Denunciação Caluniosa: Uma Tragicomédia Brasileira
- Mizael IZIDORO BELLO
- 10 de dez. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 14 de dez. de 2024

Era manhã ensolarada em Nova Iguaçu, e a cidade pulsava com a rotina apressada de seus habitantes, indiferente ao drama que se desenrolaria nas próximas horas. Uma mulher de trinta e seis anos, indignada com o fim de um relacionamento amoroso que ela havia idealizado como a realização de seus sonhos, decidiu que o amor não correspondido não seria o único a sofrer. Em um ato que parecia tirado de um roteiro digno de uma tragédia shakespeariana, optou por uma alternativa que prometia muito mais do que um doloroso rompimento: a denunciação caluniosa contra seu ex-companheiro.
Entre risos e lágrimas, ela acreditou que a melhor maneira de lidar com a dor da separação era transformar sua vida amorosa em um espetáculo para quem quisesse assistir. A narrativa que criou foi prontamente absorvida pela Polícia Civil, que, ao investigar a denúncia de violência doméstica, começou a perceber que a história que vinha à tona era mais intrincada do que qualquer enredo de novela. Por trás da mulher traída, mal-humorada e desesperada pela ideia de perder aquele que amava, existiam acusações de ameaça e lesão corporal que, com a mesma intensidade com que ela fez sua denúncia, poderiam igualmente ser lançadas sobre ela. Afinal, quem nunca se deixou levar pelas emoções e, em um momento de fraqueza, exagerou um pouco, talvez até pensando que o amor poderia ser provado às custas da verdade?
A trama se desenvolvia como um panorama das mais complexas dinâmicas sociais e de gênero. A história, que poderia ser facilmente rotulada como mais um caso de violência doméstica, revelou um dos problemas mais intrincados do sistema jurídico brasileiro: a presunção de que as mulheres são sempre vítimas e os homens, automaticamente, vilões. Nesse espetáculo macabro, assistimos a um fenômeno cultural que transforma uma acusação em um quase mantra de fé para muitos juízes e promotores de justiça. As mulheres frequentemente se tornam quase figuras sagradas, dignas de compaixão e proteção, enquanto os homens, coitados, parecem carregar o fardo da culpabilidade, condenado antes mesmo de ter a chance de se defender.
Estudos recentes, que desafiam essa narrativa romântica da mulher indefesa, indicam que entre 70% e 80% das denúncias de violência doméstica feitas por mulheres podem ser consideradas falsas. Essa estatística, que poderia ser um número qualquer em uma pesquisa de opinião, revela uma amarga realidade com graves implicações para a sociedade e, em especial, para as verdadeiras vítimas de violência, que frequentemente acabam subjugadas à sombra de uma credibilidade questionável. A mentira se transforma em armá-lo, enquanto a verdade tenta encontrar seu espaço num mundo que parece predisposto a ignorá-la.
Imaginemos agora que o ex-companheiro da protagonista desse drama se encontra em uma verdadeira comédia de erros, um labirinto sem saída. Ele, que apenas deseja viver sua vida em paz, se vê preso em um sistema jurídico onde a sua palavra vale menos do que a da suposta vítima. O homem, que certamente não imaginava que o término de seu relacionamento o levaria a enfrentar tamanho dilema, agora precisa lidar não apenas com a dor do rompimento, mas com a possibilidade de uma condenação sem provas. Em países como os Estados Unidos, o manejo de tais situações é feito com mais igualdade e rigor contra denúncias falsas, uma prática que parece ser um sonho distante nas terras tropicais, onde a mulher, em muitas ocasiões, é tratada como um símbolo de sofrimento, enquanto o homem está sempre na posição de agressor.
Neste emaranhado de confusões, as ironias não param por aí. Enquanto os homens lidam com as consequências de uma acusação desprovida de qualquer evidência — um verdadeiro "Pior que está não fica" — muitas mulheres, em busca de retaliação, se aproveitam dessa dinâmica desbalanceada. E se, como num episódio altamente dramático de uma novela de Tiago Leifert, a mulher do caso imaginário estivesse apenas tentando elaborar uma retaliação, buscando, talvez, uma forma de afirmação em um mundo que sempre pede que ela se submeta?
A ironia fica ainda mais acentuada quando consideramos que no Brasil existe uma forte cultura que muitas vezes desacredita as vulnerabilidades masculinas.
A masculinidade, em certas camadas da sociedade, é frequentemente moldada de forma tão tóxica que homens se sentem incapazes de relatar abusos que possam ter sofrido, convencidos de que isso seria motivo de chacota ou zombarias, até mesmo por parte das autoridades policiais.
Essa dinâmica cria um ciclo vicioso, onde aqueles que realmente precisam de apoio e proteção muitas vezes permanecem em silêncio, sufocados pela vergonha e pelo medo de serem ridicularizados.
Para além das rixas e complexidades emocionais, é imprescindível que a sociedade brasileira recognize suas falhas profundamente enraizadas nas normas culturais, fomentando um debate sério sobre como a justiça é exercida e percebida em casos de violência doméstica. A necessidade de desaprender e reavaliar preconceitos de gênero é evidente, pois a realidade nos mostra que tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas ou agressores em uma variedade de contextos. Precisamos abordar a questão com uma lente mais inclusiva, que não apenas compreenda a vulnerabilidade das mulheres, mas que também veja a fragilidade de homens que se encontram enredados em situações semelhantes.
Por que, então, o sistema democrático de justiça, que deveria atuar como uma balança imparcial, muitas vezes parece favorecer um lado? A resposta reside em contornos sociais, políticos e até mesmo históricos que criam uma narrativa onde os homens são vistos como vilões por definição. Ao perpetuar essa imagem, corremos o risco de criar um espaço onde os verdadeiros agressores se escondem, enquanto os inocentes pagam um preço alto por acusações infundadas. Essa estrutura não só prejudica homens que estão injustamente acusados, mas também deslegitima as vozes das mulheres que realmente precisam ser ouvidas e protegidas.
Surge então a questão fundamental: como podemos construir um sistema que trate todos os indivíduos de maneira justa, independentemente do gênero? Devemos abraçar a ideia de que, em uma sociedade verdadeiramente democrática, todos devem ser tratados como inocentes até que se prove o contrário, e que o peso da prova deve ser igualmente repartido. Essa mudança de paradigma exige coragem e a disposição de confrontar as tradições que muitas vezes asfixiam o progresso.
Além disso, a maneira como a sociedade responde a essas dinâmicas deve ser repensada. Educadores, jornalistas e operadores do direito têm um papel crucial em moldar a percepção pública sobre a violência doméstica. Não se trata apenas de criar um espaço seguro para as pessoas que fazem denúncias, mas também de assegurar que a verdade possa ser revelada de forma justa. É necessário um treinamento intenso para que esses profissionais possam lidar com casos desse tipo, sempre prontos para escutar e analisar criticamente cada situação.
Enquanto isso, a cultura popular também desempenha um papel fundamental nesta narrativa. Programas de televisão, filmes e até mesmo redes sociais têm o poder de influenciar a percepção pública e, portanto, devem serem utilizados para fomentar um entendimento mais equilibrado das questões de gênero. Comédias e dramas que desafiam estereótipos, oferecendo uma visão mais matizada das relações entre homens e mulheres, podem ajudar a moldar a compreensão pública e a desestigmatizar a ideia de que homens podem ser vítimas.
É hora de fecharmos essa cortina de preconceitos e abrir novas portas para um diálogo honesto e respeitoso. Que tal imaginar um futuro onde as pessoas, independentemente de seu gênero, possam buscar ajuda sem medo de serem julgadas? Onde a busca por justiça não seja uma guerra de narrativas, mas um esforço coletivo que reconhece a humanidade de todos os envolvidos.
Ao final, que essa história em Nova Iguaçu, uma entre tantas, nos inspire a refletir sobre a sociedade que desejamos construir. Que possamos todos, homens e mulheres, buscar o amor e a felicidade sem temor, permitindo que sejamos coautores de um enredo mais rico e satisfatório. Um enredo onde a verdade tenha espaço para respirar e a justiça, finalmente, possa brilhar como a luz que todos merecemos. A busca pela verdadeira igualdade de gênero é um caminho a ser trilhado, mas a transformação começa agora, com cada um de nós, ao desfazer as amarras que nos prendem a uma história de preconceitos e injustiças.